Obaaaaa! Dia ainda não nasceu e já estávamos lá de pé.
Ansiosos e em clima de último dia!
Dessa vez, acordei mais cedo. Além da largada ser uma hora mais cedo, já
tinha tido a experiência de quase perder a onda de largada no segundo dia pela
demora em arrumar as tralhas todas, então resolvi não dar bobeira... Tenho esse
defeito, gosto de arrumar tudo meticulosamente e conferir umas dez vezes, e
ainda por cima sou lentaaaa pra me arrumar e cheia de processos kkkk é creme no
cabelo, protetor solar, creme anti-bolhas, curativo nas bolhas dos dois outros
dias... E por aí vai, já viram né? Minha dupla teve que ter uma paciência que
vou contar!!! Kkkkk
O terceiro dia tinha o planejamento assim:
Altimetria da última etapa. A maior altimetria acumulada da prova. |
Um trecho de 31 km, seguido por uma travessia de barco de
aproximadamente meia hora para então fazer a arrancada final de 3 km até a tão
esperada chegada!
Apesar de mais curto do que o segundo dia, era a altimetria
acumulada maior da prova. Então, muitas subidas e descidas iam castigar as
pernas já cansadas.
E como estávamos cansados. Era geral, todos naquele passinho
que quem já fez maratona sabe que temos no dia seguinte... Andando com
dificuldade, descendo escadas de lado e com dor em todo lugar. O corpo pedia
descanso. E eu só pensava como iria ensaiar um trote se até caminhar era
difícil????
Largada da etapa. Pernas moídas, um frio de lascar e tudo doía!!! |
Mas a reação do corpo é também às vezes fora do que
esperamos. Assim que largamos, um trecho mais aberto que sabíamos que não
duraria muito e a ordem era trotar. E, depois dos primeiros dolorosos passos, o
corpo aqueceu e encaixou um projeto de corrida.
Logo nos despedimos do Camp Pampa Linda e da vista
maravilhosa do Cerro Tronador para entrar na mata mais fechada. E lá vem
trechos de “single track”. E as filas acabaram se formando, já que todos
estavam exaustos e nos trechos de travessia por córregos ou pontes a demora era
maior do que nos outros dias. Pela primeira vez, pegamos uma bela fila indiana
que segui por uns 7 km e foi além. Todos juntos, muitas duplas subiram a parte
mais íngreme dessa etapa em single track. Confesso que achei até bom, já que o
pace mais tranquilo era também um descanso pras pernas de certa forma...
Ao chegar no topo da subida, a chuva veio pela primeira vez
na prova. Fininha, fraquinha. E uma imagem muito linda no lugar chamado Paso de Las Nubes: estávamos mesmo acima das nuvens, lindo lindo! A chuva foi suficiente para deixar o próximo trecho de
descida entre as pedras escorregadio e com muito risco de quedas... No vídeo dá
pra perceber que foi travada a descida, por sorte (ou azar de quem tá vendo,
porque perdeu a videocassetada) o Fábio não filmou minha queda nessa parte!!!
Ahahahahahah
A terceira etapa tinha dois pontos de corte previstos pela
organização: no km 14 e no km 25. Quem não alcançasse estes pontos a tempo,
teria que ou regressar ao Camp 2 no km 14 ou ir de barco até a chegada no Km
25. Nossa maior meta era não pegar estes cortes. Mas passamos bem pelo km 14,
muito antes do corte.
A partir do km 15 mais ou menos, veio uma área alagada (esse
terreno é chamado em espanhol mallines) interminável. Além de infinitos pontos
onde ou se afundava no barro ou se passava cuidadosamente por troncos , ainda
havia outros infinitos trocos baixos onde era necessário abaixar para passar.
Muita gente caindo ou batendo a cabeça... Parece muito fácil quando se está
disposto e descansado, mas com mais de 80km percorridos a cabeça e o corpo não
se conectam mais. Aquilo parecia não acabar nunca e era um trota – passa no
barro – trota – abaixa a cabeça que já estava meio que enchendo a paciência. A
paisagem monótona até dizer chega e a chuvinha e friozinho chatos mostraram que
o El Cruce pode ser tudo num único dia. Foi a parte mais chata da prova e já
estava rezando para que acabasse logo, confesso.
Por volta do km 22 encontramos uma dupla de
brasileiros que estava nos acompanhando durante os três dias de prova. Ter
chegado neles nos animou e coincidiu com
o fim dos mallines malditos, e aí vem aquela força que você nem sabe de onde
tira e trotamos até chegar ao ponto de corte do km 25. Posto de hidratação!!!! E
passagem muito abaixo do tempo limite, ufa!!!
Nesta parte, já podíamos ver os barcos saindo para a travessia
final do km 31. E a partir daí fizemos o trecho mais desnecessário da prova
(risos): uma subida de algo em torno de 2,5km para chegar no Chile, passando a
Aduana Chilena e voltando pelo mesmo caminho. Aquela coisa só pra fechar a
conta dos km sabe? Hahahahaha
Todos caminhando na subida. E nós logicamente não faríamos
diferente. Mas aquela vontade de acabar fez a caminhada ter um ritmo muito bom
e passamos muita gente. Bom teste de cabeça ver o pessoal descendo naquela
corrida gostosa pelo mesmo caminho... Juro que deu vontade de dar meia volta e
descer junto!!!
A placa no final da subida indicava que chegávamos ao Chile.
Fazia um frio chato. A chuva fina caindo. E nós na desnecessária e folclórica
fila com documentos na mão, congelando e esfriando o corpo esperando a Aduana.
Desnecessário porque
funcionou assim: numa mesa, o passaporte era carimbado com a entrada E
saída do Chile. Isso mesmo!!! Hahahahaha E na outra mesa, a reentrada na
Argentina era carimbada.
Uma meia hora depois, já congelada... Liberada para
continuar!!! E aí eu contei: passamos por umas três árvores no Chile. E era
isso pessoal!!! Bem-vindos à Argentina!!!! Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk muito
folclore.
A brevíssima passagem pelo Chile. Pulei dois troncos e tomei um gel no Chile... E foi isso! |
A descida foi para mim a melhor parte do terceiro dia.
Aquela alegria em estar se aproximando do fim. Nem dor senti. Engatei o melhor
pace que pude e só parei quando passei o tapete de cronometragem. Na descida
fomos estimulando o pessoal que estava subindo. Soubemos depois que uma parte
dos corredores foi dispensada da Aduana pois o frio e chuva estava castigando
todos naquela fila. Ponto pro bom senso da organização, que apesar de todas as
dificuldades já inerentes numa prova como essa, não mede esforços para
solucionar tudo da melhor maneira possível... Eles trabalham muito nos dias de
prova, antes e depois!!!
O barco logo chegou para nossa travessia. Um descanso bom
para nossas pernas. Uma pena que a chuva tirou um pouco da beleza do “passeio”,
mas era realmente muito lindo o lago no meio das montanhas da Patagônia. Mas
posso falar? Naquela altura, que paisagem que nada, eu só queria era a linha de
chegada! (até rimou)
Descendo do barco, as duplas foram sendo liberadas para o
último trecho. 3 km. Uma volta no Ibirapuera, falei. O moço do posto de controle
avisou: é tudo plano. Só um tiro de 3 km até o final.
Ali veio aquela força que você tira do fundo da alma e acho
que fizemos o melhor ritmo da prova toda. É a cabeça comandando tudo. Frio,
chuva, tudo junto para fechar a prova mais dura que já fiz até hoje.
No fim da reta, uma curva à direita e a emblemática rampa de
chegada. Algumas pessoas na estrada incentivando. E as lágrimas já querendo
cair....
Yo crucé!!!! 3 dias, mais de 100km. Memórias para a vida
toda!!
A tradicional rampa de chegada... |
E as medalhas personalizadas! |
Se eu faria novamente? Com certeza. Não me arrependo nem um pouco de ter me inscrito e entrado nessa. Agora, por enquanto eu não voltaria para mais uma vez, porque penso que ainda tenho muitas provas a fazer e pouca vida para fazer todas...
Aos que pensam em fazer, treinem muito. Vá com a cabeça boa e pensando em viver uma experiência de vida. Pode ser uma das melhores da sua vida ou um baita programa de índio (no ano anterior, choveu, fez frio, houveram muitos contratempos e a experiência do pessoal que foi foi muito diferente da nossa). Não há conforto nenhum, a comida é simples, o banho é no lago, o banheiro é químico. Isso pode tirar o humor de muitas pessoas, ainda mais quando o cansaço e dores de dois dias de corrida são somados... Então leve em conta antes de decidir.
Uma coisa eu garanto: será, com toda certeza, inesquecível!!!! E o perrengue todo vai dar saudades depois...