quinta-feira, 26 de março de 2015

El Cruce Columbia - Final



Obaaaaa! Dia ainda não nasceu e já estávamos lá de pé. Ansiosos e em clima de último dia!

Dessa vez, acordei mais cedo.  Além da largada ser uma hora mais cedo, já tinha tido a experiência de quase perder a onda de largada no segundo dia pela demora em arrumar as tralhas todas, então resolvi não dar bobeira... Tenho esse defeito, gosto de arrumar tudo meticulosamente e conferir umas dez vezes, e ainda por cima sou lentaaaa pra me arrumar e cheia de processos kkkk é creme no cabelo, protetor solar, creme anti-bolhas, curativo nas bolhas dos dois outros dias... E por aí vai, já viram né? Minha dupla teve que ter uma paciência que vou contar!!! Kkkkk

O terceiro dia tinha o planejamento assim:

Altimetria da última etapa. A maior altimetria acumulada da prova.


Um trecho de 31 km, seguido por uma travessia de barco de aproximadamente meia hora para então fazer a arrancada final de 3 km até a tão esperada chegada!
Apesar de mais curto do que o segundo dia, era a altimetria acumulada maior da prova. Então, muitas subidas e descidas iam castigar as pernas já cansadas.

E como estávamos cansados. Era geral, todos naquele passinho que quem já fez maratona sabe que temos no dia seguinte... Andando com dificuldade, descendo escadas de lado e com dor em todo lugar. O corpo pedia descanso. E eu só pensava como iria ensaiar um trote se até caminhar era difícil????

Largada da etapa. Pernas moídas, um frio de lascar e tudo doía!!!


Mas a reação do corpo é também às vezes fora do que esperamos. Assim que largamos, um trecho mais aberto que sabíamos que não duraria muito e a ordem era trotar. E, depois dos primeiros dolorosos passos, o corpo aqueceu e encaixou um projeto de corrida.

Logo nos despedimos do Camp Pampa Linda e da vista maravilhosa do Cerro Tronador para entrar na mata mais fechada. E lá vem trechos de “single track”. E as filas acabaram se formando, já que todos estavam exaustos e nos trechos de travessia por córregos ou pontes a demora era maior do que nos outros dias. Pela primeira vez, pegamos uma bela fila indiana que segui por uns 7 km e foi além. Todos juntos, muitas duplas subiram a parte mais íngreme dessa etapa em single track. Confesso que achei até bom, já que o pace mais tranquilo era também um descanso pras pernas de certa forma...

Ao chegar no topo da subida, a chuva veio pela primeira vez na prova. Fininha, fraquinha. E uma imagem muito linda no lugar chamado Paso de Las Nubes: estávamos mesmo acima das nuvens, lindo lindo! A chuva foi suficiente para deixar o próximo trecho de descida entre as pedras escorregadio e com muito risco de quedas... No vídeo dá pra perceber que foi travada a descida, por sorte (ou azar de quem tá vendo, porque perdeu a videocassetada) o Fábio não filmou minha queda nessa parte!!! Ahahahahahah



A terceira etapa tinha dois pontos de corte previstos pela organização: no km 14 e no km 25. Quem não alcançasse estes pontos a tempo, teria que ou regressar ao Camp 2 no km 14 ou ir de barco até a chegada no Km 25. Nossa maior meta era não pegar estes cortes. Mas passamos bem pelo km 14, muito antes do corte.

A partir do km 15 mais ou menos, veio uma área alagada (esse terreno é chamado em espanhol mallines) interminável. Além de infinitos pontos onde ou se afundava no barro ou se passava cuidadosamente por troncos , ainda havia outros infinitos trocos baixos onde era necessário abaixar para passar. Muita gente caindo ou batendo a cabeça... Parece muito fácil quando se está disposto e descansado, mas com mais de 80km percorridos a cabeça e o corpo não se conectam mais. Aquilo parecia não acabar nunca e era um trota – passa no barro – trota – abaixa a cabeça que já estava meio que enchendo a paciência. A paisagem monótona até dizer chega e a chuvinha e friozinho chatos mostraram que o El Cruce pode ser tudo num único dia. Foi a parte mais chata da prova e já estava rezando para que acabasse logo, confesso.

Por volta do km 22 encontramos uma dupla de brasileiros que estava nos acompanhando durante os três dias de prova. Ter chegado neles nos animou e  coincidiu com o fim dos mallines malditos, e aí vem aquela força que você nem sabe de onde tira e trotamos até chegar ao ponto de corte do km 25. Posto de hidratação!!!! E passagem muito abaixo do tempo limite, ufa!!!

Nesta parte, já podíamos ver os barcos saindo para a travessia final do km 31. E a partir daí fizemos o trecho mais desnecessário da prova (risos): uma subida de algo em torno de 2,5km para chegar no Chile, passando a Aduana Chilena e voltando pelo mesmo caminho. Aquela coisa só pra fechar a conta dos km sabe? Hahahahaha

Todos caminhando na subida. E nós logicamente não faríamos diferente. Mas aquela vontade de acabar fez a caminhada ter um ritmo muito bom e passamos muita gente. Bom teste de cabeça ver o pessoal descendo naquela corrida gostosa pelo mesmo caminho... Juro que deu vontade de dar meia volta e descer junto!!!

A placa no final da subida indicava que chegávamos ao Chile. Fazia um frio chato. A chuva fina caindo. E nós na desnecessária e folclórica fila com documentos na mão, congelando e esfriando o corpo esperando a Aduana.

Desnecessário porque  funcionou assim: numa mesa, o passaporte era carimbado com a entrada E saída do Chile. Isso mesmo!!! Hahahahaha E na outra mesa, a reentrada na Argentina era carimbada.

Uma meia hora depois, já congelada... Liberada para continuar!!! E aí eu contei: passamos por umas três árvores no Chile. E era isso pessoal!!! Bem-vindos à Argentina!!!! Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk muito folclore.

A brevíssima passagem pelo Chile. Pulei dois troncos e tomei um gel no Chile... E foi isso!



A descida foi para mim a melhor parte do terceiro dia. Aquela alegria em estar se aproximando do fim. Nem dor senti. Engatei o melhor pace que pude e só parei quando passei o tapete de cronometragem. Na descida fomos estimulando o pessoal que estava subindo. Soubemos depois que uma parte dos corredores foi dispensada da Aduana pois o frio e chuva estava castigando todos naquela fila. Ponto pro bom senso da organização, que apesar de todas as dificuldades já inerentes numa prova como essa, não mede esforços para solucionar tudo da melhor maneira possível... Eles trabalham muito nos dias de prova, antes e depois!!!

O barco logo chegou para nossa travessia. Um descanso bom para nossas pernas. Uma pena que a chuva tirou um pouco da beleza do “passeio”, mas era realmente muito lindo o lago no meio das montanhas da Patagônia. Mas posso falar? Naquela altura, que paisagem que nada, eu só queria era a linha de chegada! (até rimou)

Descendo do barco, as duplas foram sendo liberadas para o último trecho. 3 km. Uma volta no Ibirapuera, falei. O moço do posto de controle avisou: é tudo plano. Só um tiro de 3 km até o final.

Ali veio aquela força que você tira do fundo da alma e acho que fizemos o melhor ritmo da prova toda. É a cabeça comandando tudo. Frio, chuva, tudo junto para fechar a prova mais dura que já fiz até hoje.
No fim da reta, uma curva à direita e a emblemática rampa de chegada. Algumas pessoas na estrada incentivando. E as lágrimas já querendo cair....



Yo crucé!!!! 3 dias, mais de 100km. Memórias para a vida toda!!

A tradicional rampa de chegada...



E as medalhas personalizadas!

Foi duríssimo sim, mas tive a melhor companhia que poderia desejar. Fazer a prova em dupla é pensar pelo outro e cuidar do outro. E posso dizer? Não é fácil. Acredito que o Fábio tenha tidos desejos de me xingar umas cinco milhões de vezes, mas ele foi companheiro e parceiro até o fim. Eu sabia que seria assim, mas tenho cada dia mais certeza que Deus me presenteou com um anjo.

Se eu faria novamente? Com certeza. Não me arrependo nem um pouco de ter me inscrito e entrado nessa. Agora, por enquanto eu não voltaria para mais uma vez, porque penso que ainda tenho muitas provas a fazer e pouca vida para fazer todas... 

Aos que pensam em fazer, treinem muito. Vá com a cabeça boa e pensando em viver uma experiência de vida. Pode ser uma das melhores da sua vida ou um baita programa de índio (no ano anterior, choveu, fez frio, houveram muitos contratempos e a experiência do pessoal que foi foi muito diferente da nossa). Não há conforto nenhum, a comida é simples, o banho é no lago, o banheiro é químico. Isso pode tirar o humor de muitas pessoas, ainda mais quando o cansaço e dores de dois dias de corrida são somados... Então leve em conta antes de decidir.

Uma coisa eu garanto: será, com toda certeza, inesquecível!!!! E o perrengue todo vai dar saudades depois...

 

quinta-feira, 5 de março de 2015

El Cruce Columbia - Parte 3 - Etapa 2 da Prova

Vamos lá para mais um dia de El Cruce...


Acordamos ainda sem o sol lá fora para podermos arrumar todas as coisas e levantar nosso acampamento...
O dia prometia ser mais frio do que na primeira etapa, de modo que optei por colocar um manguito. Não sou de sentir muito frio em prova, mas sabia que tinha casacos e proteção suficiente na mochila caso esfriasse.

Como no dia anterior tinha feito sol e calor, tivemos a sorte de poder lavar e secar nosso único par de tênis de trilha. Lógico que a recomendação era ter mais de um, mas né? Não somos fábrica de dinheiro, os tênis são caros e principalmente não usamos rotineiramente já que praticamos triathlon, então resolvemos nos virar com um par só. Não ia ser muito legal se tivesse chovido, já que já íamos largar com os tênis molhados.

A largada do segundo dia era também em ondas, com base na sua colocação do dia anterior. Ficamos na segunda onda de largada às 8:15.

Se eu já demoro para me arrumar para longos e provas de corrida e triathlon quando estou no conforto da casa ou hotel, pode-se imaginar que demorei mais ainda para fazer o mesmo numa barraca minúscula né? kkkkkkkk  Sou daquelas que tem que fazer tudo certinho, com calma, para não esquecer nada... E por pouco conseguimos arrumar tudo antes da nossa largada. Ufa! Malas entregues, tudo pronto, vamos para mais um dia!

Altimetria Etapa 2


O segundo dia da prova esse ano era o mais esperado por mim. Eu havia visto as paisagens por onde iríamos passar e sabia que seria o dia mais lindo! Primeiro subiríamos uma montanha e de lá poderíamos ver a Laguna Llum, um lago de degelo que fica entre duas montanhas... Logo depois, mais adiante, poderíamos ter a vista de outro lago onde fica a Isla Corazon, uma ilha em formato de coração (óin!!). Além de poder ver o Tronador, embaixo do qual acamparíamos na chegada.

Essa etapa também colocava um desafio mental: seria minha segunda vez fazendo uma distância de maratona. Um pouco mais de 42km mais uma vez, só que desta vez com subidas e descidas, muito mais demorado e ainda com as pernas cansadas do dia anterior.

Logo no início já percebemos que a etapa ia fluir melhor, com mais trechos onde poderíamos de fato correr. Depois de uns 4 a 5 km a trilha que no início era aberta fechava em um trecho interminável de single track no meio de algo parecido com uma floresta. Era um sem fim de mato, sobe, desce, e o percurso travou, já que ficava mais difícil ultrapassar... Nas poucas oportunidades fomos passando algumas duplas e isso era animador, sinal de que estávamos mais inteiros do que muita gente... Mas, um pouco adiante, minha primeira queda na prova: fui toda feliz desviar de um curso d'água por um tronco solto e fui direto pro chão de pedrinhas... Bela ralada no joelho, mas nada além disso. Detalhe: cinco minutos depois tive que cruzar um rio e molhei os dois pés de qualquer jeito!!! Hahahahahahaha

Primeiros kms... Um friozinho bom e só alegria!!!


Após umas 2 horas e pouco de prova, chegamos ao primeiro ponto esperado do dia: a Laguna Llum. Lindo, único momento. Impossível não parar para contemplar e pensar mais uma vez no quão privilegiada eu era por estar ali naquele momento. 

Dá pra entender? Que lugar...


Mais alguns quilômetros e chegamos no local mais lindo da prova na minha opinião. Não sei dizer o que senti quando vi essa paisagem. Era indescritível. Muita coisa linda num lugar só... Ali estava a Isla Corazon de um lado, e o Cerro Tronador de outro. Um dia de sol, lindo. E a gente ali. Incrível!!!!

Considero este o lugar mais lindo da prova. De um lado, Isla Corazon. De outro, lá no fundo, Cerro Tronador (com neve). Ainda faltava chegar lá no pé dele...


Seguimos em frente porque o dia ainda era longo e tinha mais da metade de prova pela frente. A metade mais monótona. Mais difícil. Começou com mais uma descida judiando das pernas, em caracol, íngreme. Menos técnica do que a do dia anterior. Mas com as pernas cansadas, era fácil tropeçar em alguma raiz solta e pronto, festival de gente caindo. 
E não demora muito torci meu tornozelo pela primeira vez. Nada grave.

Entramos então em um terreno aberto, na beira do Rio Manso. Ali seguiríamos por uns 15 ou 17 km, até a chegada no Camp 2. Hora de recuperar o pace e correr! Finalmente, correr por muitos km, sem galhos, morros, descidas ou pedras atrapalhando. Apenas cruzar algumas vezes o Rio, uma delas com água acima dos joelhos.

Nesse trecho da prova senti algo que nunca tinha sentido enquanto corredora... Lembro de ler uma vez no livro "Do que eu falo quando falo de Corrida", do fantástico Murakami, o relato dele durante uma de suas ultramaratonas de como sua cabeça chegou num estado onde ele não sentia nada. Só queria correr, só pensava em colocar um pé na frente do outro. E nesse dia, eu senti exatamente isso, naquele momento. Do km 28 até a chegada no km 42,5, minha cabeça ficou "limpa". Eu não conseguia pensar em nada. Entrei numa espécie de transe onde não tinha cansaço, dor, nada. Nem vontade de chegar eu tinha. Eu só pensava que não podia parar de correr. Não sei quantas duplas passamos nesse trecho, mas a maioria estava caminhando. Eu podia jurar antes de largar que eu também estaria caminhando no km 38. Nunca pensei que meu limite podia chegar nesse ponto.

De repente, uma curva e a chegada. Simples assim, sem aplausos, sem glamour nenhum. Mas foi a chegada mais emocionante da minha vida. Um marco por assim dizer. Depois de 7 horas e 17 minutos correndo, eu completava a minha segunda maratona.

A chegada desta etapa tão sofrida e tão linda. Assim, sem público, no meio das montanhas entre Chile e Argentina. Na companhia que eu mais podia desejar!!!!


Cheguei e só queria chorar, mas não conseguia nem soltar o choro. Eu ainda não acreditava que tinha feito aquilo depois de correr 26km no dia anterior. Sei que para muitos é pequeno, mas para mim era algo que nunca imaginei fazer. Eu realmente tinha medo de não completar o El Cruce quando cheguei. Agora eu sentia que completaria com um sorriso no rosto. Estava cansada, mas inteira.

Hora da massagem, comida, tentativa e falha de banho no rio mais gelado que já tive contato, e mais uma vez arrumar tudo para o dia seguinte antes do dia virar noite. Tudo com essa vista:


Nosso quarto de hotel... hahaha pequeno, apertado e uma zona, mas com uma vista que não se encontra em todo lugar...

Fui dormir com o choro engasgado ainda, com as lágrimas insistindo em cair em prestações. Nunca vou esquecer aquele transe, aquele momento onde eu esqueci todo o cansaço, dor, peso e só corri. Só isso já tinha valido a viagem para mim.

Continua...