quinta-feira, 5 de março de 2015

El Cruce Columbia - Parte 3 - Etapa 2 da Prova

Vamos lá para mais um dia de El Cruce...


Acordamos ainda sem o sol lá fora para podermos arrumar todas as coisas e levantar nosso acampamento...
O dia prometia ser mais frio do que na primeira etapa, de modo que optei por colocar um manguito. Não sou de sentir muito frio em prova, mas sabia que tinha casacos e proteção suficiente na mochila caso esfriasse.

Como no dia anterior tinha feito sol e calor, tivemos a sorte de poder lavar e secar nosso único par de tênis de trilha. Lógico que a recomendação era ter mais de um, mas né? Não somos fábrica de dinheiro, os tênis são caros e principalmente não usamos rotineiramente já que praticamos triathlon, então resolvemos nos virar com um par só. Não ia ser muito legal se tivesse chovido, já que já íamos largar com os tênis molhados.

A largada do segundo dia era também em ondas, com base na sua colocação do dia anterior. Ficamos na segunda onda de largada às 8:15.

Se eu já demoro para me arrumar para longos e provas de corrida e triathlon quando estou no conforto da casa ou hotel, pode-se imaginar que demorei mais ainda para fazer o mesmo numa barraca minúscula né? kkkkkkkk  Sou daquelas que tem que fazer tudo certinho, com calma, para não esquecer nada... E por pouco conseguimos arrumar tudo antes da nossa largada. Ufa! Malas entregues, tudo pronto, vamos para mais um dia!

Altimetria Etapa 2


O segundo dia da prova esse ano era o mais esperado por mim. Eu havia visto as paisagens por onde iríamos passar e sabia que seria o dia mais lindo! Primeiro subiríamos uma montanha e de lá poderíamos ver a Laguna Llum, um lago de degelo que fica entre duas montanhas... Logo depois, mais adiante, poderíamos ter a vista de outro lago onde fica a Isla Corazon, uma ilha em formato de coração (óin!!). Além de poder ver o Tronador, embaixo do qual acamparíamos na chegada.

Essa etapa também colocava um desafio mental: seria minha segunda vez fazendo uma distância de maratona. Um pouco mais de 42km mais uma vez, só que desta vez com subidas e descidas, muito mais demorado e ainda com as pernas cansadas do dia anterior.

Logo no início já percebemos que a etapa ia fluir melhor, com mais trechos onde poderíamos de fato correr. Depois de uns 4 a 5 km a trilha que no início era aberta fechava em um trecho interminável de single track no meio de algo parecido com uma floresta. Era um sem fim de mato, sobe, desce, e o percurso travou, já que ficava mais difícil ultrapassar... Nas poucas oportunidades fomos passando algumas duplas e isso era animador, sinal de que estávamos mais inteiros do que muita gente... Mas, um pouco adiante, minha primeira queda na prova: fui toda feliz desviar de um curso d'água por um tronco solto e fui direto pro chão de pedrinhas... Bela ralada no joelho, mas nada além disso. Detalhe: cinco minutos depois tive que cruzar um rio e molhei os dois pés de qualquer jeito!!! Hahahahahahaha

Primeiros kms... Um friozinho bom e só alegria!!!


Após umas 2 horas e pouco de prova, chegamos ao primeiro ponto esperado do dia: a Laguna Llum. Lindo, único momento. Impossível não parar para contemplar e pensar mais uma vez no quão privilegiada eu era por estar ali naquele momento. 

Dá pra entender? Que lugar...


Mais alguns quilômetros e chegamos no local mais lindo da prova na minha opinião. Não sei dizer o que senti quando vi essa paisagem. Era indescritível. Muita coisa linda num lugar só... Ali estava a Isla Corazon de um lado, e o Cerro Tronador de outro. Um dia de sol, lindo. E a gente ali. Incrível!!!!

Considero este o lugar mais lindo da prova. De um lado, Isla Corazon. De outro, lá no fundo, Cerro Tronador (com neve). Ainda faltava chegar lá no pé dele...


Seguimos em frente porque o dia ainda era longo e tinha mais da metade de prova pela frente. A metade mais monótona. Mais difícil. Começou com mais uma descida judiando das pernas, em caracol, íngreme. Menos técnica do que a do dia anterior. Mas com as pernas cansadas, era fácil tropeçar em alguma raiz solta e pronto, festival de gente caindo. 
E não demora muito torci meu tornozelo pela primeira vez. Nada grave.

Entramos então em um terreno aberto, na beira do Rio Manso. Ali seguiríamos por uns 15 ou 17 km, até a chegada no Camp 2. Hora de recuperar o pace e correr! Finalmente, correr por muitos km, sem galhos, morros, descidas ou pedras atrapalhando. Apenas cruzar algumas vezes o Rio, uma delas com água acima dos joelhos.

Nesse trecho da prova senti algo que nunca tinha sentido enquanto corredora... Lembro de ler uma vez no livro "Do que eu falo quando falo de Corrida", do fantástico Murakami, o relato dele durante uma de suas ultramaratonas de como sua cabeça chegou num estado onde ele não sentia nada. Só queria correr, só pensava em colocar um pé na frente do outro. E nesse dia, eu senti exatamente isso, naquele momento. Do km 28 até a chegada no km 42,5, minha cabeça ficou "limpa". Eu não conseguia pensar em nada. Entrei numa espécie de transe onde não tinha cansaço, dor, nada. Nem vontade de chegar eu tinha. Eu só pensava que não podia parar de correr. Não sei quantas duplas passamos nesse trecho, mas a maioria estava caminhando. Eu podia jurar antes de largar que eu também estaria caminhando no km 38. Nunca pensei que meu limite podia chegar nesse ponto.

De repente, uma curva e a chegada. Simples assim, sem aplausos, sem glamour nenhum. Mas foi a chegada mais emocionante da minha vida. Um marco por assim dizer. Depois de 7 horas e 17 minutos correndo, eu completava a minha segunda maratona.

A chegada desta etapa tão sofrida e tão linda. Assim, sem público, no meio das montanhas entre Chile e Argentina. Na companhia que eu mais podia desejar!!!!


Cheguei e só queria chorar, mas não conseguia nem soltar o choro. Eu ainda não acreditava que tinha feito aquilo depois de correr 26km no dia anterior. Sei que para muitos é pequeno, mas para mim era algo que nunca imaginei fazer. Eu realmente tinha medo de não completar o El Cruce quando cheguei. Agora eu sentia que completaria com um sorriso no rosto. Estava cansada, mas inteira.

Hora da massagem, comida, tentativa e falha de banho no rio mais gelado que já tive contato, e mais uma vez arrumar tudo para o dia seguinte antes do dia virar noite. Tudo com essa vista:


Nosso quarto de hotel... hahaha pequeno, apertado e uma zona, mas com uma vista que não se encontra em todo lugar...

Fui dormir com o choro engasgado ainda, com as lágrimas insistindo em cair em prestações. Nunca vou esquecer aquele transe, aquele momento onde eu esqueci todo o cansaço, dor, peso e só corri. Só isso já tinha valido a viagem para mim.

Continua...


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