quinta-feira, 26 de maio de 2016

Ironman South African Championship 2016 - Relato de prova - Parte 2


10 de Abril de 2016... 03h30min da madrugada.

Como já é bem comum, dormi muito pouco na noite pré-prova. Sempre tenho pesadelos nos dias anteriores de que perco a hora da largada, mas no fundo eu sei que é muito difícil isso acontecer... A ansiedade mal nos deixa dormir!!!

A mesma rotina de quase um ano atrás em Floripa... Café da manhã no quarto, quatro horas antes da largada. Arruma cabelo, veste a roupa, confere se tudo está na sacola branca: caramanholas, wetsuit, nutrição... E confere tudo de novo! Noite escura e silenciosa, saímos 4:45 do hotel e fomos caminhando até a transição. No trajeto, vamos nos juntando a outros tantos atletas e o pensamento vai longe: misto de concentração e lembranças de tudo que passou até ali. A garganta dá aquele nó e algumas lágrimas contidas querem cair, mas a adrenalina já toma conta e não deixa.

Chegamos na transição após 1,5km de caminhada e me concentro para não esquecer nenhum detalhe: calibro pneus, preparo as caramanholas, clipo sapatilhas. Hora de deixar o que faltou nas sacolas de ciclismo e corrida. Termina e confere tuuuudo novamente. Dessa vez esqueci minha lanterna de cabeça, vacilo. Me virei com a lanterna do celular, mas seria mais fácil se tivesse trazido.


Na transição pré-prova... Tudo escuro ainda!

A largada, inédita para mim e também no Ironman South Africa, foi definida como "rolling start". Há um esforço por parte da franquia para reduzir ao máximo as largadas em massa. Por mais emocionantes e impactantes que sejam, elas não são nada produtivas. Só injetam mais tensão nos triatletas, já que muitos de nós não encaram a natação em mar aberto como algo tranquilo. O festival de socos, chutes e pontapés até localizar a "bolha" onde se consegue nadar deixa qualquer um bem tenso. Nesse sentido foi implementada a rolling start: os atletas se organizam sozinhos pelo pace de natação que provavelmente farão. A cada 10 segundos, grupos de 10 atletas saem para começar a prova.

A minha idéia foi chegar bem cedo e ficar para entrar logo na frente e evitar as ultrapassagens, que consomem esforço e requerem desvios na navegação. Deu certo: consegui me posicionar bem na frente! Aos poucos o sol foi surgindo no horizonte da praia e a paisagem foi ficando mais linda e imponente.

Aquele sentimento de alegria, gratidão tomou conta de mim ao alinhar na baia de largada. Agora, porém, eu estava muito mais concentrada do que na primeira prova em Floripa. Eu já sabia que seria um longo dia e queria começar fazendo bem os 3.800m de natação. Me preparei muito para isso e queria sair da água num tempo bom. O mar estava mexido, mas melhor do que nos dias anteriores. Primeiro tiro de canhão, largam os homens da elite. Alguns minutos depois, as mulheres. E então soou a buzina uma vez e a próxima foi a minha largada. Parti concentrada, correndo, sem medo da água. Começou o meu segundo Ironman!


A largada...
Bóia de retorno (última bóia do percurso) e área de transição atrás do pier


O percurso da natação na África do Sul consiste em uma volta no formato retangular, sem saída para a praia no meio como ocorre em Floripa.



A correnteza estava a favor na ida, logo eu soube que a volta seria bem chata. Havia bóias intermediárias para auxiliar a navegação e considero que naveguei muito bem, fiz só 4000m (200m a mais do que o oficial), o que nesta prova é excelente, algumas pessoas chegaram a nadar 4500m... O que eu não contava era com as marolas que foram tirando minha força. Na segunda virada de bóia, veio o retorno e a correnteza jogando contra. A velocidade caiu sensivelmente, mas o pior foi o enjôo... Não consegui forçar o ritmo na volta, como eu tinha treinado tantas vezes. Fui levando num ritmo bem confortável, quando eu tentava forçar o enjôo aumentava e eu sabia que isso podia estragar minha prova. Perder alguns minutos na natação não ia me atrapalhar tanto assim, contanto que eu saísse o menos enjoada possível para pedalar. E assim fui no interminável retorno de aproximadamente 1900m até terminar. 1:11:23, mais do que eu gostaria, mas ainda assim muito bom. Saí feliz por ter terminado a primeira parte e cansada daquela marola toda, querendo muito começar o pedal para me sentir melhor.

Saída da natação...

...a cara de sofrimento diz tudo!

Ainda era cedo mas o calor já estava mostrando o que seria dali pra frente o dia! Em Floripa considerei ruim meu tempo na T1 e agora eu queria fazer mais rápido. Fui bem focada para não esquecer nada e ao mesmo tempo não perder tempo. Blusa, capacete, óculos, uma parada muito rápida para as voluntárias colocarem protetor no antebraço e pernas e bora pedalar! 4:30 de T1, 3 minutos a menos do que em Floripa! Muito bom, bem melhor e um tempo bem aceitável para uma transição de Ironman.

Dia lindo, nenhuma nuvem no céu e pouco vento até agora... Tudo para um bom pedal certo? Saí ainda meio zonza da natação, mas logo consegui me acertar e hidratar, alimentar e encontrar o ritmo. O ciclismo percorria estradas secundárias com muitos trechos expostos na beira do mar, ali dias de vento são cruéis e o vento leste sempre atrapalha mais. A previsão era pouco vento para os padrões locais. Começamos com cerca de 10km/h e o vento era a favor na ida, contra na volta. Eu já tinha minha NP (potência normalizada) programada para a prova (testes feitos na época de treinos) e procurei me manter dentro dela, sem empolgar. Sempre lembrava o que tinha ouvido da Paula Newby Fraser um dia antes: controle seu ritmo. Se você sentir que está leve após algum tempo, pode sempre acelerar um pouco. Mas se tiver que reduzir, os problemas começaram... No início senti que realmente estava fácil, eu queria apertar mais mas segurei. Terminei a primeira volta bem, média aceitável para a altimetria e vento que pegam bem mais do que Floripa... Abri a segunda volta me sentindo bem. Quando mexo nos bolsos para pegar meu refil de pó de carbo + bcaa para a caramanhola, vejo que esqueci uma mistura das três na sacola branca... No escuro da madrugada eu não peguei as duas misturas que deveriam estar no bolso da camisa! Tudo bem, eu tenho carbo e proteína extras na bike. Refaço as contas mentalmente e vambora.


Pedal duro e lindíssimo!

A segunda volta foi bem difícil... Calor aumentou muito, não tinha nenhum trecho de sombra e o sol estava torrando! Aumentei a ingesta de líquidos sensivelmente e passei a molhar mais as pernas e pescoço para resfriar. Eu via a média de velocidade caindo, mas não me preocupei porque vi que o vento estava aumentando. O retorno foi muito, muito mais lento do que na primeira volta. A potência, porém, mantinha-se no programado sem cair. Confesso que foi muito desanimador ver que eu iria entregar a bike em mais de 6 horas. Mesmo sabendo que o cenário era muito diferente de Floripa (altimetria, vento, calor), eu não imaginava fazer mais de meia hora a mais na bike. Ao mesmo tempo, foi um alívio sair daquela estrada linda mas com um baita vento contra (já passava de 20km/h, o que nem era tanto mas somados com o calor e as pirambas, já tava tirando a paciência!) e entrar na rua principal de Hobie Beach! Ali a torcida empurrou, a música empolgou e foi muito bom entregar a bike sem nenhum problema mecânico, bem hidratada apesar do calor e pernas boas para a corrida...

Cansada e feliz por terminar o pedal


Coloquei a bike no hack e até ensaiei uma corridinha para a tenda de troca. Logo já desisti e achei melhor caminhar bem rápido, respirar e mentalizar o que eu tinha que pegar e fazer na troca de modalidade. Ao chegar na tenda, sentei numa cadeira e as voluntárias vieram ajudar. Foram muito prestativas, mas tiraram tudo da sacola e eu não queria! Eu ia usar uma sacolinha que sempre levo com todos os géis, sal etc e sair com ela correndo para não perder tempo, elas viraram a sacolinha com tudo no chão... Paciência, expliquei que não queria, juntei tudo e agradeci! Protetor até na alma, porque o sol estava muito forte... Uns 33 graus quando saí no relógio da rua. Ali, senti a primeiro ponto muito baixo da prova. A cabeça deu aquela pifada, saí cabisbaixa, sem correr, só caminhando enquanto colocava os géis nos bolsos e pensava nos longos 42,2 km que tinha pela frente... Sim, deu vontade de desistir. Não, lógico que eu sabia que eu não iria parar. Mas isso acontece em provas de endurance... É a arte de administrar os momentos onde a cabeça dá defeito e saber aproveitar os momentos bons. Agora você quer parar, dali a uma hora está se sentindo no topo do mundo!!!

A corrida era feita em 4 voltas de 10,5 km aproximadamente. Não é a parte mais linda que certamente é o ciclismo, onde o percurso é duro e lindo na mesma proporção. Mas é a parte mais emocionante. Não consigo colocar em palavras o que é a torcida no IM South Africa. Você não fica sozinha em NENHUMA parte do percurso. Tem torcida em todos os lugares, muita gente, gritando sem parar! A diferença é que eles incentivam não só quem conhecem, mas sim TODOS os atletas. É lindo e emocionante, você sente vontade de agradecer to tempo todo. Eles gritam o seu nome, jogam água para refrescar, é demais!

Nem por isso foi fácil, mas acho que a torcida me ajudou muito. Saí super derrotada, mas negociei com a cabeça que eu iria correr num pace suportável e caminhar nos postos de hidratação, aquela caminhada rápida para poder hidratar, resfriar o corpo e tomar os géis. Funcionou. Os primeiros 15 ou 17 km foram os mais difíceis que já fiz, a cabeça pedia para parar, o calor fritando e precisei parar duas vezes no banheiro. Mesmo assim, no meio do festival de gente caminhando eu até que não estava a pior... Conseguia passar muita gente.

Saindo para correr... A própria derrota em forma de gente! Cabeça baixa pensando no que fazer...


A partir do momento que abri a terceira volta o ânimo foi melhorando! Incrível como a mente é poderosa, eu achei que não tinha pernas mas era tudo jogo mental. No momento que a cabeça melhorou, as pernas funcionaram e passei a correr mais confiante, cada grito da torcida que nos primeiros km chegava a incomodar (cheguei a desejar silêncio, tudo tava me irritando!) me animava e eu não queria mais parar! Peguei a última pulseira e abri a última volta vendo o sol que começava a se pôr.


Sol no rosto e a melhor sensação da vida em pleno km 37 da maratona de um Ironman! Vai entender...

Eu queria muito terminar antes do sol se pôr. Ano passado foi por pouco, mas terminei já no início da noite... Comecei a achar que ia dar tempo dessa vez e foi então que a melhor parte de todo a prova começou! Ano passado eu lembro que os últimos 10,5km foram bem sofridos, só senti aquela euforia quando cheguei na Búzios e vi minha família e a Lia, minha amiga que foi assistir a prova. E agora eu experimentava a sensação incrível de correr bem os últimos 10km do Ironman. Que sensação! A torcida gritava para continuar, que eu estava muito bem, e isso só me fazia acelerar. Eu nem queria mais parar para hidratação, só queria correr e aproveitar aqueles últimos minutos desse dia louco que foi 10 de abril de 2016... Sabia que não tinha sido o tempo que eu queria (eu nem pensava que estaria tão quente e que a prova seria tão difícil, por mais que eu tivesse estudado e me preparado!), mas eu estava ali, tinha controlado meu ponto baixo, não desisti e estava acabando!

Fiz os últimos km olhando o sol que estava um espetáculo no horizonte e pensei em tanta coisa... Eu sentia vontade de chorar, mas não dava para correr e chorar ao mesmo tempo! Algumas lágrimas insistiram em rolar, pensei em todo mundo que estava acompanhando e torcendo, pensei nos treinos, nas festas de final de ano que foram bem menores porque os treinos e a dieta não aliviaram, no quanto mudei desde que comecei no triathlon, e no privilégio de estar num lugar lindo fazendo o que amo tanto!!!! Agradeci muito. Virei para a linha de chegada e peguei minha bandeira do Brasil, cheguei no tapete vermelho gritando, levantei os braços, fiz hi-5 no Paul Kaye que narrava as chegadas, escutei meu nome, as luzes todas... A linha de chegada mais linda que já vi!! Cruzei pela segunda vez o pórtico de um Ironman, mais uma vez emocionada e feliz como nunca!




 


 Eu nem me preocupei com minha colocação, nem queria saber nada! Só curtir aquela vibe e aquele momento... Fui pra tenda de massagem, terminando eu fui pra chegada novamente me encontrar com o Fábio (meu noivo) que terminou a prova! Nos abraçamos, tiramos foto e conversamos ainda na adrenalina sobre as sensações de cada um na prova... 

Chegando no hotel fui olhar minhas mensagens e só aí descobri que tinha sido a quinta da categoria! Quase caí pra trás! Como são as coisas... Cada prova é uma prova! Eu ali, fazendo prova com as européias casca grossa, achei que tinha me arrebentado toda com 11:30 (quase 45 minutos a mais do que Floripa) e no fim fiquei muito melhor colocada! Só completou minha felicidade e mostrou que o caminho é esse!!!

No dia seguinte fui para a rolagem de vagas, mas eu já sabia que era bem difícil que rolasse a vaga! Não rolou, eram duas vagas e as duas primeiras meninas ficaram. Mas me sinto incrivelmente feliz só por ter ficado perto!!! É sonho? Sim! É o principal objetivo? Não, como amadora eu quero mesmo é poder fazer provas diferentes, conhecer lugares novos e melhorar cada dia mais, ganhar mais segurança para poder lidar com as situações difíceis que sempre acontecem e aproveitar o dia... Mesmo tendo sido uma prova dura, foi um dia muito feliz, sorri muito, me senti a rainha da África correndo os últimos 10 km da prova, vou levar na lembrança por uma vida toda!

Hoje, quase dois meses depois, só sinto muitas muitas saudades! As próximas provas e metas para o resto do ano já estão todas traçadas e tem muito mais por aí!! Obrigada Port Elizabeth, obrigada África do Sul! Eu volto um dia!!!!

E no fim de um dia especial: medalhinha sofrida no peito e aquele sorriso que não cabe no rosto!!!




 


4 comentários:

  1. Parabéns Cristine! Muito legal e incentivador o texto. Por ser o relato de alguém próximo, tem muito, muito valor para mim! Valeu LadyTri!

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  2. Mandou bem. Fiz essa prova várias vezes e em 2017 volto para tentar slot para Kona. Boa sorte com o resto das provas esse ano.

    http://www.ironmanangolano.com/

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  3. Muito legal, bom encontrar relatos tao detalhado assim. Me sinto mais preparado para a realidade. Irei fazer essa prova tambem em 2017 e confesso que to apreensivo por ser meu primeiro Iron, até entao só fiz 70.3.

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  4. Olá Cristine?
    Sou o Fábio, amigo do Milton de Curitiba.
    Me lembro que vc e seu marido fizeram o El Cruce alguns anos atrás e estou com vontade de fazer, queria saber se vcs poderiam me dar umas dicas de equipamentos pra correr bem a prova. Se vcs puderem fazer isso, me mande um email para x-tatic@hotmail.com que mando meu whatsapp. Obrigado.

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